Sobre mudanças e o vazio

Vini Lima
2 min readApr 16, 2019

Uma sala vazia. Um quarto vazio. Uma casa vazia. Você olha e já consegue visualizar tudo o que vai colocar ali. Um quadro, um balcão para dividir o ambiente. Uma plantinha para dar vida ao local ainda inerte. Tudo isso para dar a sua cara, o seu jeito, ao lugar ainda vazio. Você vai se construindo.

Fazer toda a mudança. Mudar dá trabalho, não dá? Carregar tudo que você tinha em outra casa, seja qual for: dos seus pais, da que você dividia com amigos, ou claro, de quem você tinha algum relacionamento. Carregamos muita coisa com a gente.

“Arruma um cantinho aí, pra esse coração teimoso
Libera umas gaveta e uns cabide
Que ele é espaçoso
E se ele der beijinho
Cê revida com outro”

E aí que vem uma reflexão: ao contrário do que pensamos, ninguém é uma casa vazia. Quando nós, consciente ou inconscientemente, nos instalamos no coração de alguém, devíamos ter a consciência de que, não, não estamos nos mudando para uma casa vazia. Em que poderemos escolher a cor da parede da sala. Colocar o sofá na parede da janela. Instalar o fogão de seis bocas.

Cada pessoa carrega sua própria mobília dentro de si. E achar que, ao se instalar no coração de alguém, nós temos o direito de organizar a casa do outro do nosso jeito, é algo completamente equivocado— e aqui não falo sobre relacionamentos mas sim sentimentos, coisas completamente diferentes mas que ironicamente podem se complementar. Ou não. Relacionamento é passar a dormir no sofá — ou na cama — da casa alheia. Sentimento é dar um quadro que a pessoa vai pendurar no quarto dela.

“Tudo que é seu, que tem aqui tudo que eu não quero guardar
que é pra esquecer de uma só vez
que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu”

Até porque um dia, invariavelmente, você vai ter que sair dessa casa também. E aí, tem mais uma reflexão: você vai, mas sempre fica algo seu ali. Que ajuda a dar cara ao ambiente, que acaba fazendo parte da decoração definitiva da pessoa.

“Você fotografaria nossa casa sem mobília no natal
Que saudade de você
Ficaria pendurada no final

E depois de você
Qual de nós não viveria tudo outra vez?”

O vazio no peito que as vezes nos bate é enganoso. É mentiroso. Sempre tem algo ali. Um quadro deixado. Um livro esquecido. Uma conversa. Um beijo.

Ninguém é uma casa vazia.

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Vini Lima

34. Filósofo de boteco. Acredita que a empatia é a única salvação do mundo. Ou seja…