Capa do álbum “Multialma”, de Bruna Caram.

As 12 etapas de um término, ou o álbum Multialma.

Ou ainda, o Teorama Caram.

Vini Lima

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Em agosto de 2016, Bruna Caram lançou seu quarto álbum e primeiro autoral, o Multialma. Essa cantora é a minha favorita do movimento que a galera costuma chamar de “Nova MPB”, e acompanho seu trabalho há alguns anos — 2010 ou 2011, quando a vi em um programa do Ronnie Von, o Todo Seu, da TV Gazeta — e desde então já fui em diversos shows dela, além de acompanhar de perto suas redes sociais.

Pocket show do lançamento do disco anterior da Bruna Caram, em 2012. Sim, saí com cara de bobo.

Ao ouvir o novo álbum, faixa a faixa, ACABEI DESVENDANDO O MISTÉRIO POR DETRÁS (mentira!), acabei identificando em trechos de cada canção, todas as etapas de um término de relacionamento, momento esse que, invariavelmente, passamos ao longo da vida.

É óbvio que tudo isso não passa de um devaneio da minha mente viajante, mas que, por falta do que fazer, resolvi transformar neste texto que você está lendo — provavelmente também por falta do que fazer.

Foto que registrei em show no SESC Ipiranga.

Em uma das lives que a Bruna vem fazendo desde o lançamento do álbum, para contar um pouco mais sobre cada uma das faixas — além de cantá-las ao vivo — , acabei perguntando sobre como foi o processo para definir a ordem das canções do Multialma — algo que sempre tive curiosidade, e neste caso ainda mais — e ela explicou aqui (por volta dos 8min).

E é claro, não bate em nada com o que eu vislumbrei da história que — na minha cabeça maluca — o disco conta. Esclarecido então que o TEOREMA CARAM não é oficial, mas sim uma LENDA URBANA que poderá um dia quem sabe se tornar mais real que a realidade, aqui vai.

Faixa 1 — O relacionamento acabou. E agora?!

“Só o que é bom dura tempo o bastante para se tornar inesquecível”, já dizia o poeta das ruas, Chorão. Então, ao contrário dos que nos ensinou os desenhos da Disney, relacionamentos acabam. E quando eles se encerram, você entra em um espiral de emoções e fica difícil exprimir para o resto do mundo exatamente o que você está sentindo. Quem consegue fazer isso pela gente? Sim, a Música.

Música é

Luz que não gasta

Tira o vazio

Põe sentimento

(Violeta)

Aqui temos o uso de uma metalinguagem, onde a primeira canção do álbum se autorreferencia, falando justamente o que ele pode fazer por uma pessoa que está passando pelo processo de término.

Faixa 2 — Saindo da zona de conforto

Todos nós preferimos ficar por um tempo — uns mais que outros — em uma zona de conforto estabelecida pelo relacionamento, antes de aceitar que teremos que enfrentar todo o trabalho que as implicações de um fim de romance traz.

Mais quantas horas vou desperdiçar?

Não sei desistir nem esperar

Só vivo de amor completo

Quantas saudades mais vou carregar?

Vontades vou ter que calar?

(Abrigo)

Ou seja, temos que sair do abrigo, título da segunda canção do disco, e enfrentar o mundo. Porém, geralmente é um processo complexo para as duas partes, pois em certo momento um quer abandonar o abrigo e o outro não, ao passo que em outro momento, os papéis se invertem. Fazem-se concessões de um ou de ambos os lados, buscando-se um equilíbrio que dificilmente virá.

E você bem sabe que eu consigo

O meu laço é um bom abrigo

O que eu faço é só pra ter você no meu encantar

(Abrigo)

Faixa 3 — Quando um não quer, dois não terminam?

Nem pensar

Você vem bem quando eu cheguei

A escapar

Do seu amor que eu mal provei

Vou beijar a hora de te conduzir

Ao lugar onde eu chorei e desisti

(Nem Pensar)

Chega-se então ao momento em que uma das partes resolver dar o basta e decide rumar para a próxima etapa da vida. Contudo, raros são os casos onde o timming dos dois bate e, na maioria dos casos, um dos parceiros irá achar que ainda vale a pena continuar. E do outro lado, por ainda ter certo receio do que irá encontrar pela frente, ter alguém que se importa conosco é algo reconfortante. Egoísta, mas reconfortante.

Vou deixar você falar, me seduzir

Desfrutar de tudo eu já quis ouvir

E na hora de retribuir sem dó

Preferir os braços de alguém melhor

(Nem Pensar)

Faixa 4 — Adeus abrigo, eu vou pra rua

Aqui temos a minha canção preferida do Multialma e a que explicita a razão de boa parte dos rompimentos: os relacionamentos abusivos. Tóxicos para ambos, porém obviamente mais danoso a quem sofre com o controle imposto pelo parceiro — este, geralmente o homem.

Pra quê alguém que vive me cobrando?

Que vive podando

Depois recua e diz que jura e jura

Que não vai mais viver me controlando

Vive me tesourando

Larga a minha cintura

Se situa

(Vou Pra Rua)

Começamos a ter então um lampejo de confiança — ainda um pouco insípida — de que ficar naquele relacionamento é bobagem, de que podemos — neste momento ainda de forma oscilante— confiar em nosso taco, e que podemos sim encontrar alguém que atenderá mais aos nossos quereres do que a pessoa atual.

Melhor que aceitar a sina

É olhar além

Não vou viver clandestina

Nem virar refém

Só o meu querer me domina

E eu sei querer bem

(Vou Pra Rua)

Faixa 5 — Já sei o que não quero, mas o que eu quero?

Com a aceitação e entendimento de que temos que buscar um novo caminho — e um novo “guia” para nossa viagem — passamos a sonhar com tudo o que buscamos em um futuro relacionamento, desde pequenos momentos a grandes feitos. Sonhemos.

Em troca só peço

todo santo dia

Tua companhia

Pra olhar o por-do-sol

(Par)

Queremos alguém que nos faça esquecer tudo de ruim que o relacionamento anterior nos trouxe.

E que da gente a vida seja um dia de calor

leve, sem nostalgia, só bom humor

Beijo no pescoço, dinheiro no bolso e amor

(Par)

Faixa 6 — Ainda não estamos livres do mal do século: o recalque

Caso seja o outro que tenha decidido terminar — ou mesmo você, mas sem uma plena convicção de que é o certo a se fazer — o recalque que ficará de ambos os lados é proporcional aos momentos intensos que viveram.

Não ouso te impedir

Pode ir!

Melhor que vá

Agora eu vou me permitir esperar

Foi triste de sentir

Vai ser triste de lembrar

(Viu?)

Você vai querer que a pessoa siga com a vida e fique bem. Mas esse dia AINDA não é hoje. Você não quer que ela fique bem assim que terminaram. É egoísta, é até um pouco sádico, mas infelizmente é o ser humano.

Que a vida vai pedir

e você vai querer voltar

Você vai pedir

E a vida não vai

(Viu?)

Mesmo para quem é o responsável pela decisão do término, o processo não é fácil. Porém, bem no fundo ele sabe que é a melhor decisão. E esse sentimento vai emergindo aos poucos, ou seja, nos primeiros momento é raro ter a certeza de que está no caminho certo.

Como qualquer um que se ferir

Eu vou chorar, sim

Mas qualquer um que se feriu

Pode sarar

viu?

(Viu?)

Faixa 7 — Larga o osso!

Que culpa tenho eu

Se você ainda me ama?

(Boa Companhia)

E como já citado anteriormente, o processo está longe de ser algo desenvolvido em conjunto. Cada um dos lados tem seu tempo para passar por essas etapas. Invariavelmente, um dos parceiros ainda estará acreditando que o outro é sim, a única pessoa NO MUNDO que servirá para ela — fruto de um dos maiores males do século XX, chamado amor romântico. Porém, o que a pessoa que é objeto dessa adoração pode fazer? Complicado.

É que sem você sou bem menos sozinha

Tenho a alegria

Que antes eu não tinha

(Boa Companhia)

Complicado porque essa pessoa já está começando a enxergar a vida post mortem do relacionamento, seja se envolvendo com outras pessoas, seja apenas curtindo a vida em si.

Faixa 8 — BIIIIRLLL

E dia após dia, choro após choro, VAZIO EXISTENCIAL após vazio existencial, vamos nos fortalecendo e ganhando confiança de que podemos ser felizes novamente.

E eu posso ver

No florescer do meu cantar

Algo me confirmar

Que tudo bem

(Agora sim)

Por mais clichê que seja — e se é clichê é porque possui certo grau de veracidade — o tempo é o grande fator de cura para muitas dores.

Vida que segue?

Faixa 9 — Todo o amor do mundo

Não perca tempo

Assim que for possível

Faça o impossível

Dispare amor!

(Dispare)

Percebemos então o quanto de tempo “perdemos” sofrendo por esse relacionamento — e uso as aspas porque só chegamos a essa etapa, justamente por termos passado pelas anteriores — e que devemos o quanto antes voltar a usufruir das sensações causadas pelo amor.

Faixa 10 — Quase no fim do texto — e do álbum

E aí, quando você está quase plenamente recuperado, conseguindo ver novamente o lado bom da vida, curtindo até aquele ventinho no rosto no fim de tarde ensolarada, quem aparece?

E agora

Tão fora de hora

Eu quase indo embora

E você me encara

De repente fala

Não vai mais fugir

(Quase no Fim)

São variadas as motivações que podem levar o outro a reaparecer: ele finalmente mudou — ou decidiu que vai mudar -, ele percebeu o quanto te ama e que vai passar a valorizar o sentimento, que aceitará determinado traço seu, e por aí vai.

Mas, a essa altura, palavras dificilmente surtem efeito. Atitudes sim.

Como pode agora?

Quase no fim da história

Você se escancara

Finalmente fala

Amar é agir

(Quase no Fim)

Faixa 11 — Balança mas não cai

Você, que até então, estava vendo arte até em fila de ônibus, dá aquela balançada. Sabe que racionalmente não há razão para continuarem como casal. Mas e o coração? Qual é o segredo para esquecer de vez então?

Pra te esquecer

Vou cantar sem ser pra você

Vou compor sem te oferecer

E vou te esquecer

Despertar antes de sofrer

Decorar antes de aprender

Renascer depois de acabar

(Pra Te Esquecer)

Não é odiando, nem ignorando a saudade que bate às vezes, muito menos se forçando a esquecer. O ponto de virada é aceitar tudo o que passou. Algo sempre fará você lembrar da pessoa. Isso você não controla, o que dá para controlar aos poucos é o quanto isso influenciará em sua vida, em seu dia a dia. E no próximo relacionamento, você vai sim, comparar no começo mas tem que aceitar e seguir.

Tudo o que me resta é ver

O tempo quase escapar por um fio

E de onde você partiu eu vou começar.

(Pra Te Esquecer)

Faixa 12 — Um novo amor

Chega então o fatídico dia em que nos envolvemos com uma nova pessoa. E também a última faixa do álbum Multialma.

Ao fim de cada romance achamos que nunca mais encontraremos alguém que nos faça tão feliz quanto essa pessoa. Tratamos essa pessoa como única, como a última estrela do nosso universo particular. Mas ao contrário do que nos ensina o Paradoxo de Fermi, existe sim vida depois da última estrela que conhecemos.

O véu da brisa passará

De manhã

Sobre nós

Vendo a cidade

Pela janela

Sei que não somos sós

(Além da Última Estrela)

Muitas vezes mergulhamos de cabeça sem pensar. Muitas vezes vamos colocando lentamente o pé na água primeiro, para sentir a temperatura.

Alguns dizem que é melhor sentir o frio de uma vez. Outros acham perigoso mergulhar sem saber qual é a profundidade. O que eu acho? Não existe resposta universal, fórmulas ou estratégias para o amor ;)

As últimas palavras do álbum encerram ele da forma como começou: usando a metalinguística para falar sobre términos e recomeços. Ou seja, sobre a vida. Ou seja, sobre o amor.

Quem dera ter o prazer

De ser um verso

Na tua voz

(Além da Última Estrela)

Ouça o álbum na íntegra aqui.

Se você leu até esse ponto, tenho certeza que rola deixar um comentário para elogiar, discordar, pontuar as bobagens que falei ou contar qual canção mais curtiu.

Então comenta aí!

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Vini Lima

34. Filósofo de boteco. Acredita que a empatia é a única salvação do mundo. Ou seja…